“A assinatura eletrônica decorrente de certificados emitidos no âmbito do ICP-Brasil é eficaz para qualquer ato jurídico por força do art. 10 da MP 2.200-2/2001”
Por Carlos E. Elias de Oliveira Consultor e Hercules Alexandre da Costa Benício
Ementa
1. O texto explica o que é assinatura eletrônica e demonstra, com exemplos práticos, como o cidadão pode utilizá-la para assinar contratos e outros atos jurídicos, além de propor interpretações e sugestões à doutrina, à jurisprudência e à legislação diante da necessidade de o Direito se adaptar à Era da comunicações remotas (capítulo 1).
2. De um modo simplificado, pode-se dizer que, ao longo da História, para a certificação de autoria de documentos, evolui-se do uso dos sinetes sobre cera derretida até a assinatura eletrônica, passando pela assinatura de próprio punho. Deixa-se de abordar outras formas de certificação ao longo da história pelos limites deste artigo (capítulo 2).
3. O “certificado digital” é a identidade virtual de uma pessoa e fica armazenada em algum dispositivo (token, celular, nuvens etc.); é, metaforicamente, o anel-sinete. Após ter o “certificado digital”, a pessoa pode assinar eletronicamente qualquer documento conectado o dispositivo que contém o seu certificado digital ao computador e digitando a sua senha pessoal (o seu PIN). Metaforicamente, assinar eletronicamente é pressionar o “anel-sinete” sobre a cera derretida para deixar a sua marca. (capítulo 3).
4. As assinaturas eletrônicas podem ser classificadas:
a) quanto à tipicidade, em:
a.1) típicas: as disciplinadas em lei ou ato infralegal, no que se incluem as assinaturas eletrônicas no âmbito do e-Notariado e do ICP-Brasil; e
a.2) atípicas: as decorrentes de pacto entre as partes.
b) quanto ao nível de segurança, em:
b.1) simples: aquela que “permite identificar o seu signatário; e anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário” (art. 2º, I, MP nº 983/2020);
b.2) avançada: aquela que “está associada ao signatário de maneira unívoca; utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; e está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável” (art. 2º, I, MP nº 983/2020), no que se inclui a assinatura eletrônica no âmbito do e-Notariado; e
b.3) qualificada: aquela que utiliza certificado digital expedido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Pública do Brasil (ICP-Brasil).
5. ASSINATURA ELETRÔNICA NO ÂMBITO DO E-NOTARIADO (capítulos 3.1. e 4)
5.1. No âmbito dos Cartórios de Notas, qualquer cidadão pode gratuitamente obter um “certificado digital notarizado” emitido no seio da plataforma “e-Notariado”, comparecendo pessoalmente a uma serventia para sua identificação pessoal.
5.2. O fundamento é o Provimento nº 100/2020-CN/CNJ.
5.3. Com esse “certificado digital notarizado”, o cidadão poderá assinar eletronicamente qualquer ato notarial, como escrituras públicas de compra e venda, de procuração etc.
5.4. O certificado digital notarizado não pode, ainda, ser utilizado para assinar eletronicamente atos fora dos Cartórios, mas entendemos que convém seja espraiado o seu uso para além dos cartórios, caso em que a assinatura eletrônica aí valeria como um reconhecimento de firma.
6. ASSINATURA ELETRÔNICA NO ÂMBITO DO ICP-BRASIL (capítulo 3.2.)
6.1. A assinatura eletrônica decorrente de certificados emitidos no âmbito do ICP-Brasil é eficaz para qualquer ato jurídico por força do art. 10 da MP 2.200-2/2001. Os referidos certificados podem, pois, ser utilizados tanto em Cartórios de Notas (em concomitância com a assinatura eletrônica no âmbito do e-Notariado) quanto fora.
6.2. Para obter um certificado digital no seio do ICP-Brasil, a pessoa deve comparecer pessoalmente perante uma pessoa jurídica incumbida da função de “Autoridade Registradora” (AR), a qual fará os cadastros necessários e, se for o caso, entregará o dispositivo (como um token, um cartão etc.) no qual ficará o certificado digital. A IN ITI nº 02/2020 e a Medida Provisória 951/2020) autorizam que esse registro seja feito de forma não presencial, o que poderá ameaçar a viabilidade financeira das empresas que lidam como AR.
6.3. O ITI, que é uma autarquia, é a Autoridade Certificada Raiz (AC Raiz). Ele é incumbido de executar as diretrizes dadas pelo “Comitê-Gestor da ICP-Brasil”, órgão público colegiado vinculado à Casa Civil da Presidência da República. Ele também coordena e fiscaliza as Autoridades Certificadoras (ACs). O ITI não pode emitir certificado digital diretamente ao usuário final.
6.4. A emissão do certificado digital ao usuário final é feita por uma Autoridade Certificadora (AC) após o cadastro feito pela respectiva Autoridade de Registro (AR). Podemos citar, a título de exemplo, várias pessoas jurídicas incumbidas da condição de AC no âmbito do ICP-Brasil, como a Serpro, a Certisign, a Caixa etc.
7. ASSINATURA ELETRÔNICA FORA DOS CARTÓRIOS E DO ICP-BRASIL (capítulo 3.3.)
7.1. Vige, no ordenamento jurídico brasileiro, a atipicidade das assinaturas eletrônicas: as partes podem, por acordo, estipular outras formas de assinatura eletrônica (art. 10, § 2º, da MP nº 2.200-2/2001).
7.2. A título de exemplo de assinaturas eletrônicas atípicas – aquelas decorrentes de acordo entre as partes –, citam-se as praticadas por bancos e corretoras de valores mobiliários com seus clientes, as fornecidas por empresas de assinatura eletrônica (como a “Clicksign”) e, inclusive, as baseadas em mensagens por e-mail ou por WhatsApp na forma do previsto em contrato.
8. PROPOSIÇÕES PARA DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO (capítulo 4)
8.1. O conceito de “documentos assinados” previsto o art. 219 do CC alcança documentos físicos e eletrônicos bem como assinaturas físicas ou eletrônicas.
8.2. Instrumento público eletrônico são escrituras públicas eletrônicas.
8.3. Documentos públicos eletrônicos são aqueles produzidos e despapelizados por agentes público com sua assinatura eletrônica, a exemplo de certidões eletrônicas emitidas por órgãos públicos e dos próprios atos notariais eletrônicos.
8.4. Quando a legislação exige manifestação de vontade presencial, deve-se se entender que aí está abrangida também a manifestação de vontade por canal de comunicação remota e instantânea, tudo conforme o que Mário Luiz Delgado batiza de princípio da presença virtual.
8.5. O certificado digital notarizado (aquele emitido no âmbito do e-Notariado) deve ser espraiado para valer como assinatura eletrônica para atos praticados fora dos Cartórios de Notas, como em instrumentos particulares (cfr. Provimento nº 103/2020 – CN/CNJ) ou, até mesmo, em petições dirigidas a processos judiciais.
8.6. O legislador deve adaptar a legislação para afastar dúvidas interpretativas acerca do valor jurídico dos documentos eletrônicos.
1. Introdução
Este artigo tratará da assinatura eletrônica, expondo como se dá o seu uso nos contratos e nos demais atos jurídicos, indicando as suas diversas feições e apontando, ao final, teses que, ao nosso sentir, devem ser empolgadas pela doutrina, pela jurisprudência e pela legislação. E, para tanto, buscaremos usar um linguajar mais acessível a quem não domina conceitos tecnológicos e lançaremos mãos de casos concretos hipotéticos para facilitar a compreensão prática das ideias.
Objetivamos, com este texto, aproximar da comunidade jurídica um assunto extremamente relevante que, por envolver conceitos técnicos de tecnologia e por ser relativamente novo, ainda não soa confortável para muitos juristas que lidam com contratos e demais atos jurídicos.
Os tempos mudaram. A evolução tecnológica contemporânea condena veemente que o Direito continue a exigir dos indivíduos solenidades fisicamente presenciais para a prática de atos jurídicos quando as relações sociais e comerciais migraram substancialmente para formas de comunicação remotas. O Direito não pode esquecer de sua origem e vocação e caminhar em descompasso com a realidade: o Direito nasce dos fatos, como ensinavam os romanos (ex facto oritur jus).
A pandemia da Covid-19, que assaltou o Brasil desde o início do ano de 2020, deu um choque na adormecida comunidade jurídica, que, a passos lentos, fazia tímidas concessões à Era das comunicações remotas[1].
Os juristas começam a reconhecer que a necessidade de acolhimento de formas jurídicas propícias a respaldar o perfil remoto das relações sociais.
Aliás, Mário Luiz Delgado, com a autoridade de quem trabalhou no projeto de lei que gerou o atual Código Civil, aponta que está implícito no nosso ordenamento o princípio da presença virtual, assim entendido aquele que equipara, para efeitos jurídicos, as manifestações de vontade proferidas em um mesmo local físico às prolatadas por meio de um canal de comunicação remoto instantâneo.
Para tanto, Mário Delgado lembra do inciso I do art. 428 do CC, que considera “presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante”[2].
Vamos focar especificamente a assinatura eletrônica no presente artigo.
2. Breve histórico: dos sinetes às assinaturas de próprio punho
Em tempos mais remotos da história, desde antes do ano três mil antes de Cristo, os reis tinham um sinete (= selo) que, na prática, representava a sua identidade. Para ser mais preciso, o sinete costumava ser um sinal coletivo, e não propriamente individual, pois ele simboliza um Estado, um Reinado, uma coletividade ou um cargo público.
Quando, por exemplo, um rei morria, o seu anel de sinete era transmitido para o novo rei, que haveria de usá-lo para “selar” (“assinar”) documentos. Havia, porém, hipóteses em que o sinete era individualizado, a exemplo do que sucedia com os anéis papais[3].
Esse sinete consistia em um desenho específico esculpido em uma peça (como em um anel – o chamado “anel de sinete” – ou em uma espécie carimbo de ferro, ouro, prata ou de madeira) que ficava de posse exclusivamente do rei. Esse desenho era a “marca” de identificação do rei. Veja a figura abaixo para ter uma ideia de um anel de sinete ou de um “carimbo”.
Quando o rei queria “selar um documento físico”, ou seja, deixar a sua marca de identificação no papel, ele derretia uma cera em cima do papel e, em seguida, pressionava o seu anel de sinete (ou outra peça que contivesse o seu sinete) sobre a cera derretida.
Ao fazer isso, quem visse o documento poderia dizer: o rei é o autor do documento; a autoria do documento é do rei; o documento é autêntico (= autêntico significa algo cuja autoria é conhecida).
Era comum também que o rei entregasse o seu anel de sinete a um homem de confiança, que se incumbia de dar ordens em nome do rei. Tratava-se de uma delegação de poderes. Esse homem de confiança, ao lançar o sinete em algum documento, deixava claro que esse documento era oficial e provinha do rei (ainda que indiretamente).
Afinal de contas, era impraticável o rei cuidar pessoalmente de todas as inúmeras questões administrativas corriqueiras do reinado. Na Bíblia, há ilustração disso, a exemplo da vez em que Faraó, ao nomear José como o segundo homem mais importante do Egito e como incumbido da administração do reinado, “tirou do dedo seu anel-selo (=anel-sinete) e o colocou no dedo de José”[4].
Similar episódio ocorreu na Pérsia antiga, entre 486 e 465 a.C., quando o Rei Assuero entregou o seu anel-sinete ao judeu Mordecai e ordenou-lhe que escrevesse decretos em seu nome e que os selassem (“os assinassem”) com o seu sinete[5].
É inescondível que a falsificação de um sinete era factível. Bastava que um perito, olhando a marca, forjasse um sinete similar. Por isso, no decorrer do tempo, a assinatura de próprio punho passou a vicejar.
O anel-sinete já foi utilizado como assinatura e, depois, passou a ser empregado como reforço à assinatura de próprio punho lançada em documentos. A propósito dessa evolução, com foco na edição de leis, Kildare Gonçalves Carvalho dá este didático relato[6]:
(…) Assinatura é um termo que procede do latim signatura, do verbo signare, com o significado de marcar, pôr um sinal em, indicar por um sinal traçado. A palavra assinatura é grafada signature em francês, segnatura em italiano, signature em inglês, unterschrift em alemão e firma em espanhol.
Nas antigas civilizações, encontravam-se anéis artisticamente trabalhados que serviam de selo (assinatura) na autenticação de documentos. Depois foram utilizados os sinetes, onde se gravavam monogramas, totens, armas, brasões, siglas etc.
Mais tarde apareceram as penas das aves para concorrerem com os sinetes. Já no fim do século XVI surge o costume obrigatório do uso de assinatura do próprio punho, com o nome, por extenso ou abreviado, das pessoas autorizadas, ao final do ato legislativo.
A assinatura de próprio punho assumiu a hegemonia na forma de registrar, com fidedignidade, a autoria de documentos.
O advento da assinatura eletrônica, a qual se tornou mais ainda popular durante a sombria fase de quarentena e de isolamento social causado pela pandemia do Covid-19 no ano de 2020, caminha para fazer a assinatura de próprio punho se tornar recordação de algo que “se foi sem deixar saudades”[7].
3. A assinatura eletrônica: entendendo as terminologias e as classificações
Grande parte dos indivíduos ficam com rosto de perdido ao ouvir falar em expressões como certificado digital, token, assinatura eletrônica, ICP-Brasil (“Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira”) etc.
É fundamental, porém, que todos passem a dominar esses conceitos, visto que a tendência é que, doravante, a maior parte dos atos não sejam mais assinados de próprio punho, e sim eletronicamente.
Objetivamos aqui facilitar a compreensão desses conceitos (com comparações) e, depois, demonstrar a aplicação deles no quotidiano, em processos judiciais e nos serviços notariais e de registro. E o faremos por meio de casos concretos hipotéticos para simplificar o entendimento.
Em busca de sistematização, podemos classificar as assinaturas eletrônicas de duas maneiras.
A primeira é a classificação quanto à tipicidade. Sob essa ótica, a assinatura eletrônica pode ser:
a) típica: a disciplinada em lei ou ato infralegal, no que se incluem as assinaturas eletrônicas no âmbito do e-Notariado e do ICP-Brasil; e
b) atípicas: a decorrente de pacto entre as partes.
A segunda classificação das assinaturas eletrônicas é quanto ao nível de segurança, classificação que foi adotada expressamente pelo art. 2º da Medida Provisória (MP) 983, de 16 de junho de 2020, para lidar como a segurança das credenciais para identificação das pessoas em seu relacionamento com os órgãos e entidades públicos. Nessa ótica, a assinatura pode ser classificada como:
a) simples: aquela que “permite identificar o seu signatário; e anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário” (art. 2º, I, MP nº 983/2020);
b) avançada: aquela que “está associada ao signatário de maneira unívoca; utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo; e está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável” (art. 2º, I, MP nº 983/2020); e
c) qualificada: aquela que utiliza certificado digital expedido no âmbito da Infraestrutura de Chaves Pública do Brasil (ICP-Brasil).
Nessa última classificação, a assinatura eletrônica no âmbito do e-Notariado configura uma “assinatura eletrônica avançada.
Vamos tratar das assinaturas eletrônicas no orbe do e-Notariado e da ICP-Brasil bem como das assinaturas eletrônicas atípicas.
3.1. Assinatura eletrônica no âmbito do e-Notariado (Cartórios de Notas)
3.1.1. Problema prático hipotético
Vamos começar narrando uma situação hipotética de um cidadão que deseja assinar eletronicamente escrituras públicas por meio da plataforma e-Notariado, nos termos do Provimento nº 100/2020 – CN/CNJ.
João da Silva quer conceder uma procuração a algum amigo para que este o represente na venda de um imóvel.
Para tanto, João quer assinar eletronicamente um instrumento público de mandato para não precisar se deslocar fisicamente ao Cartório de Notas e não se submeter aos transtornos daí decorrentes (engarrafamentos, estacionamentos, riscos de contaminação virais etc.). O que ele pode fazer?
Ele tem de criar um certificado digital em qualquer Cartório de Notas para, depois, poder assinar eletronicamente qualquer ato notarial que lhe aprouver.
Vamos começar expondo como criar o certificado digital para, depois, tratar da assinatura eletrônica.
3.1.2. Criando um certificado digital nos Cartórios de Notas
João da Silva deverá ir presencialmente a qualquer Cartório de Notas do Brasil para criar a sua “identidade eletrônica” (= “certificado digital”).
O tabelião de notas o identificará a partir de um documento de identidade com foto e, em seguida, lançará as informações pessoais dele (como endereço, telefone, impressão digital coletada por leitor biométrico, foto tirada por meio de webcam etc.) na plataforma virtual do e-Notariado (grosso modo, é um site da internet comandado pelo Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil[8]).
Ao terminar esse cadastro, estará criado o “certificado digital” do João da Silva, certificado digital esse que ficará armazenado virtualmente no celular (smartphone) dele, especificamente em um aplicativo (app “e-notariado”) que o João da Silva deverá baixar. Pronto! João da Silva tem agora uma “identidade digital”.
Metaforicamente, João tem agora um “anel-sinete”, como os reis da Antiguidade. A diferença é que, enquanto os reis da Idade Antiga “assinavam” documentos físicos pressionando o seu anel contra a cera derretida, João da Silva assinará documentos eletrônicos digitando a sua “senha” (o seu PIN) no campo específico do seu aplicativo de celular e-notariado ou desbloqueará seu aparelho celular por meio de sua biometria (digital ou facial). Bastará João clicar no seguinte ícone de seu celular para abrir o aplicativo do e-notariado:
Em seguida, basta João clicar na aba “Ler QR Code” ou “Usar no Computador”, selecionar o seu certificado digital e assinar eletronicamente o documento colocando a sua senha.
O certificado digital (“anel-sinete”) de João da Silva está no seu celular, mas é permitido que ele também utilize o seu certificado digital no seu computador com o objetivo de poder assinar eletronicamente documentos a partir desse outro dispositivo.
O certificado digital emitido pelo tabelião terá validade de três anos (o “anel-sinete” se desmancha em três anos), ao fim dos quais o cliente deverá ir novamente a qualquer Cartório de Notas para a emissão de um novo certificado digital (fazer um novo “anel-sinete”).
3.1.3. Assinando eletronicamente os atos notariais
Uma vez tendo um certificado digital, João da Silva pode, agora, assinar remotamente qualquer ato notarial. No exemplo acima, vamos descrever como ele procederia para assinar eletronicamente uma procuração.
João da Silva entrará em contato com o Cartório de Notas de sua preferência pelo canal disponível (e-mail, telefone, SMS etc.) e dirá o ato que deseja praticar. O tabelião, então, redigirá a procuração pública em um arquivo de texto, transformará esse arquivo em um de formato “PDF-A” e encaminhará ao João da Silva um link por e-mail.
Ao clicar nesse link, João poderá ler o arquivo PDF-A referente ao conteúdo da escritura pública de procuração e, em concordando com o seu teor, poderá lançar sua assinatura eletrônica (pressionar o seu “anel-sinete” sobre a cera derretida), digitando a sua senha.
Nesse caso, aparecerá a seguinte imagem no campo reservado, na escritura, para a assinatura do João da Silva:
Em seguida, o tabelião combinará a data e horário para a realização de videoconferência notarial por meio da plataforma e-Notariado.
Nessa videoconferência[9], João da Silva exporá sua vontade ao tabelião, que irá conferir a identidade dele com base na foto dele que foi cadastrada quando da emissão do certificado digital.
Finda a videoconferência e confirmado o teor do ato notarial com essa videoconferência e com a assinatura eletrônica, o tabelião imprimirá o arquivo assinado eletronicamente pelo João da Silva (“materialização” ou “papelização”), lançará sua assinatura física e, em seguida, encartará a escritura ao seu livro físico.
Ademais, haverá uma folha adicional que é acrescida ao final sob o título “Manifesto de Assinaturas”, indicando a matrícula notarial eletrônica (número para identificação do ato notarial eletrônica), os dados dos signatários eletrônicos e o link e o QR-Code para o usuário conferir a autenticidade do documento eletrônico. Veja com ficaria a folha do Manifesto de Assinatura na imagem abaixo:
No Livro Físico do Cartório de Notas, ficará a escritura com a assinatura eletrônica do João da Silva (representada pela imagem acima), com a assinatura física do tabelião e com a folha de “Manifesto de Assinatura”.
Em seguida, o tabelião imprimirá um traslado – documento que é entregue ao usuário –, aporá sua assinatura física, digitalizará o arquivo (“desmaterialização” ou “digitalização”) e, utilizando certificado emitido no âmbito da ICP-Brasil, assinará eletronicamente o arquivo eletrônico para, em seguida, enviar ao João da Silva.
A assinatura eletrônica do tabelião ficará representada por uma imagem similar à de baixo (supondo que o certificado digital do tabelião tenha sido emitido pelo SERPRO, que, no exemplo, é a Autoridade Certificadora no âmbito do ICP-Brasil):
Em página adicional ao traslado, virá o “Manifesto de Assinaturas”, que indicará os dados para conferência de autenticidade da assinatura eletrônica do tabelião. Veja como ficaria esse manifesto:
Por fim, chamamos a atenção para quatro aspectos.
O primeiro é que, como se trata de uma escritura pública lavrada sem a presença física do João da Silva, é fundamental constar tal fato na redação da escritura pública, o que poderá ser feito com um texto como este na parte final da escritura:
“Ato notarial eletrônico lavrado nos termos do Provimento CNJ nº 100/2020, com utilização da Plataforma e-Notariado, para realização de videoconferência notarial e coleta da (s) assinatura (s) digital (is).”
O segundo é que o tabelião usará o seu certificado digital obtido no âmbito do ICP-Brasil para assinar eletronicamente o ato e o traslado. Ele não usará o seu certificado digital emitido no âmbito do e-notariado. O motivo é para deixar o ato todo isento de qualquer questionamento jurídico.
É que não há lei federal que, com especificidade, tenha dado à assinatura eletrônica produzida no âmbito do e-Notariado a presunção de veracidade de que dispõe a assinatura eletrônico no âmbito do ICP-Brasil (art. 10, § 1º, da MP nº 2.200-2/2001[10]).
Para evitar qualquer controvérsia jurídica, o art. 3º, IV, do Provimento nº 100/2020-CN/CNJ[11] exigiu que o tabelião encerre o ato notarial eletrônico com sua assinatura no âmbito da ICP-Brasil.
O terceiro é que, para lavrar um ato notarial eletrônico, a parte não necessariamente precisa ter um certificado digital emitido no âmbito do e-Notariado (o que exigiria o seu deslocamento físico a um Cartório de Notas). Se ela tiver um certificado digital emitido no seio do ICP-Brasil (o qual jamais pode ser repudiado por força do art. 10, § 1º, da MP 2.200-2/2001), ela pode utilizá-lo.
Nesse caso, quando da videoconferência que será realizada pela plataforma do e-Notariado, a parte poderá encaminhar seus documentos de identificação para o cadastro dos seus dados pessoais na plataforma e-Notariado e para sua identificação perante o tabelião incumbido da lavratura do ato notarial eletrônico.
De fato, quando o inciso IV do art. 3º do Provimento nº 100/2020 afirma que é requisito do ato notarial eletrônico a “assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado”, ela não exigiu o uso de um certificado digital emitido no âmbito do e-Notariado, mas apenas exigiu o uso da plataforma do e-Notariado (que comporta também o uso do certificado digital no âmbito do ICP-Brasil).
O quarto é que, para a sua identificação e qualificação no ato notarial eletrônico, a parte deverá participar de videoconferência e deverá enviar, eletronicamente (por e-mail, por exemplo), seus documentos de identificação com foto para o tabelião.
A plataforma e-Notariado disponibiliza uma ferramenta que faz o batimento da foto e das informações pessoais prestadas pela parte com a base de dados do Denatran indicando se há ou não alto grau de probabilidade de compatibilidade de veracidade, de maneira que, em caso de fundada suspeita de fraude, o tabelião deverá negar a prática do ato notarial eletrônica.
Esse procedimento está em consonância com o art. 18 do Provimento nº 100/2020-CN/CNJ[12].
3.1.4. Nomenclatura específica da assinatura eletrônica no âmbito do e-Notariado: certificado digital notarizado, assinatura eletrônica notarizada, videoconferência notarial e ato notarial eletrônico
O Provimento nº 100/2020-CN/CNJ deu nomes de batismos específicos, os quais não utilizamos até agora apenas para fins didáticos[13].
Assim, o que designamos de certificado digital é, no âmbito do e-Notariado, chamado de “certificado digital notarizado”, ao passo que o que nominamos de assinatura eletrônica no âmbito do e-notariado é designado de “assinatura eletrônica notarizada”.
Igualmente, a videoconferência feita pelo notário no e-Notariado é chamada de “videoconferência notarial”, ao passo que o ato notarial produzido remotamente é o “ato notarial eletrônico”.
3.2. Assinatura eletrônica no âmbito da ICP-Brasil (uso dentro ou fora de Cartórios)
Se quisermos assinar eletronicamente um contrato, um formulário perante órgãos públicos ou uma petição perante a Justiça, podemos usar o certificado digital no âmbito da ICP-Brasil, tudo nos termos da Medida Provisória nº 2.200-2/2001. Aliás, mesmo dentro dos cartórios, é admissível tanto o certificado digital no seio da ICP-Brasil quanto o certificado digital no orbe do e-Notariado.
Para entendermos, na prática, como funciona, vamos supor um caso hipotético e, com base nele, expor os principais conceitos técnicos envolvidos no tema.
Manoel da Silva pretende criar um certificado digital no âmbito da ICP-Brasil (metaforicamente, criar o seu “anel-sinete”) a fim de poder “assinar eletronicamente” (“pressionar seu anel-sinete sobre a cera derretida”) qualquer contrato ou documento.
Manoel deverá ir pessoalmente a uma Autoridade de Registro (AR), que é uma empresa ou um órgão público incumbidos de identificar o Manoel, coletar seus dados pessoais, cadastrar a senha (o PIN) com o qual Manoel poderá fazer as assinaturas eletrônicas e entregar ao Manoel o dispositivo no qual ficará o seu certificado digital.
Uma lista completa com todas as ARs do País e com seus endereços pode ser encontrada no site da autarquia federal ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação)[14].
O certificado digital é, como já se disse, a identidade eletrônica da pessoa. É, metaforicamente, o anel-sinete da pessoa. Ele ficará armazenado em um dispositivo (como um token – que se assemelha a um pen drive – ou um cartão) que ficará com Manoel.
Metaforicamente, Manoel guardará consigo o seu “anel-sinete” em alguma caixinha para usá-lo sempre que quiser assinar eletronicamente algum documento. Veja, na foto a seguir, a imagem de um token e de um cartão contendo o certificado digital de uma pessoa[15].
Para assinar eletronicamente documentos, bastará Manoel:
- conectar o dispositivo que contém o seu certificado digital no computador ou no outro aparelho eletrônico que estiver sendo utilizado (ex.: conectar o token na entrada USB do computador)[16];
- escolher o arquivo eletrônico (um arquivo em formato PDF, Word etc. ou outro, como o indicado no programa da Receita Federal para a Declaração do Imposto de Renda) no qual pretende apor sua assinatura;
- utilizar um programa assinador que viabilize a utilização de certificados ICP-Brasil;
- digitar o seu PIN (a senha pessoal cadastrada perante a Autoridade de Registro)[17].
Assinado eletronicamente o documento, este passará a consignar esse fato em uma imagem como esta (caso em que a Autoridade Certificadora emissora do certificado digital do signatário foi o Serpro):
Qualquer pessoa que vier a ter acesso ao documento eletronicamente assinado poderá conferir a autenticidade da assinatura eletrônica acessando o “Verificador de Conformidade” disponível no site do ITI. Veja a página:
Ao fazer o upload do arquivo eletrônico e clicando em “verificar conformidade”, o site indicará se esse arquivo realmente foi assinado eletronicamente ou não. Se for válido, o site indicará que o arquivo de assinatura é válido. Veja um exemplo dessa resposta positiva do site do ITI:
CPF
Por fim, fazemos quatro observações.
A primeira é a de que o certificado digital é, na verdade, emitido por uma Autoridade Certificadora (AC), a qual está vinculada uma ou mais Autoridade Registradora (AR) com o objetivo de viabilizar os cadastros presenciais dos indivíduos.
Há várias ACs no âmbito do ICP-Brasil, como a Serpro, a Certisign, a Caixa etc. A lista completa das ACs com a vinculação das respectivas ARs está disponível no site do ITI[18]. Em geral, as ACs emitem certificados digitais para qualquer pessoa mediante o pagamento de um preço.
A segunda observação é a de que não necessariamente o certificado digital (o “anel-sinete”) de uma pessoa ficará em um dispositivo físico, como um token ou um cartão. Ela também pode ficar em um celular específica da pessoa ou até mesmo em uma “nuvem” (a exemplo do que já vem disponibilizando o Serpro, que é uma das autoridades certificadoras[19]).
A terceira advertência é que, à luz da Instrução Normativa ITI nº 02, de 20 de março de 2020 e da Medida Provisória (MP) nº 951/2020, é viável a emissão e renovação de forma remota por videoconferência. A propósito, a MP nº 951 revogou o art. 7º da MP 2.200-2/2001[20] bem como, no seu art. 2º, assim dispôs:
Emissão não presencial de certificados digitais
Art. 2º Às Autoridades de Registro – AR da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, entidades operacionalmente vinculadas a determinada Autoridade Certificadora – AC, compete identificar e cadastrar usuários, encaminhar solicitações de certificados às AC e manter registros de suas operações.
Parágrafo único. A identificação será feita presencialmente, mediante comparecimento pessoal do usuário, ou por outra forma que garanta nível de segurança equivalente, observada as normas técnicas da ICP-Brasil.
A quarta nótula é a de que as várias Autoridades Certificadoras (ACs) estão vinculadas ao ITI, autarquia federal que assume o papel de Autoridade Certificadora Raiz da ICP-Brasil (“AC Raiz”)[21].
O ITI, na condição de AC Raiz, é quem fiscaliza as várias ACs e quem cumpre as determinações e diretrizes do “Comitê-Gestor da ICP-Brasil”, órgão público colegiado vinculado à Casa Civil da Presidência da República[22].
Por opção legal, o ITI, apesar de ser a AC Raiz, é proibido de emitir certificado digital diretamente ao usuário final, pois a sua finalidade institucional é, grosso modo, coordenar as várias ACs[23].
Quem faz a emissão dos certificados digitais ao usuário final são as ACs, após o cadastro dos usuários finais por meio de alguma AR a elas vinculadas[24].
3.3. Assinatura eletrônica fora dos cartórios e do ICP-Brasil: atipicidade das assinaturas eletrônicas
Assinatura eletrônica não é exclusividade daqueles que possuem certificados digitais no âmbito do ICP-Brasil ou do e-Notariado. O § 2º do art. 10 da MP nº 2.200-2/2001[25] fixa uma “atipicidade” das assinaturas eletrônicas, autorizando que os particulares, por pacto, estabeleçam suas próprias formas de assinatura eletrônica (para comprovação de autoria e integridade de documentos eletrônicos).
É nesse ambiente de atipicidade que bancos e corretoras de valores mobiliários costumam estabelecer formas próprias de assinaturas eletrônicas. Por exemplo, a famosa corretora XP Investimentos permite que seus clientes façam operações de compra e venda de ativos mobiliários (como ações na Bolsa de Valores) digitando uma senha no celular devidamente habilitado (com um “token” virtual”).
Igual prática é adotada por vários bancos. Trata-se de um exemplo de “assinatura eletrônica” que é aceito pelas partes (os clientes aderem a esse método ao celebrarem o contrato com a corretora ou o banco) e que comprova a autoria dos comandos virtuais disparados pelos clientes, como o comando de compra de uma ação na Bolsa de Valores.
Não é só entre bancos que tal é admitido. Há indivíduos que, para viabilizar a assinatura eletrônica de contratos, valem-se de serviços de assinatura eletrônica fornecida por empresas alheias ao ICP-Brasil.
Um exemplo disso é a empresa “Clicksign”[26], que, pelo valor mensal de R$ 39,00, disponibiliza ao usuário o serviço de assinatura eletrônica para até 15 documentos. Para cada documento adicional, cobra-se um valor de R$ 2,50[27].
Basicamente, os signatários recebem um e-mail com um link e, ao clicar no link, são direcionados à página específica da Clicksign para, após conferir o inteiro teor do documento, clicar no link dando a sua “assinatura eletrônica”.
Ao final, todos os signatários recebem um arquivo em PDF contendo, ao final, uma página atestando que todos deram suas assinaturas eletrônicas. Nesse caso, a garantia de autoria se escora na caixa eletrônica de e-mails, pois, em regra, o acesso à caixa eletrônica só é viável para o seu titular por meio de senha pessoal.
Até mesmo em relações contratuais mais simplificadas o § 2º do art. 10 da MP 2.200-2/2001 se faz presente. Quando alguma cláusula contratual estabelece que as partes poderão, por conversas via e-mail ou WhatsApp, fazer aditivos contratuais, elas estão dando força de assinatura eletrônica às manifestações de vontade por esses canais eletrônicos de comunicação.
4. Proposições para a doutrina, a jurisprudência e a legislação
Ao longo deste artigo, expusemos os principais aspectos técnicos e teóricos da assinatura eletrônica. Erguemos agora reflexões para propor interpretações normativas e sugestões legislativas.
Em primeiro lugar, é fundamental conferir interpretação extensiva ao conceito de documentos e de assinatura.
De fato, o art. 219 do CC estabelece que “as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários”. Daí se indaga: o que são “documentos assinados”? São aqueles apenas com assinaturas lançadas fisicamente ou também abrangem aqueles com assinaturas eletrônicas? São apenas documentos físicos ou alcança igualmente os documentos eletrônicos?
A resposta, ao nosso sentir, é o de que os documentos e assinaturas eletrônicos também estão abrangidos pelo art. 219 do CC, do que dá fé a autoridade legal do art. 10 da MP 2.200-2/2001, que veste de incontestabilidade jurídica as assinaturas eletrônicas no âmbito do ICP-Brasil ou aquelas calcadas em acordo das partes.
O inciso II do art. 411 do CPC dá igual respaldo a essa resposta ao considerar autêntico o documento cuja “autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei”.
O Provimento nº 100/2020-CN/CNJ elucida mais ainda a questão ao disciplinar expressamente como se poderá produzir uma escritura pública eletrônica.
Em segundo lugar, entendemos que a doutrina, a jurisprudência e a legislação precisam avançar para recepcionar a nova Era de despapelização dos atos jurídicos e, nesse sentido, erguemos os seguintes enunciados e proposições:
- Quando a legislação se refere a documentos ou instrumentos particulares ou públicos, ela abrange também os documentos eletrônicos.
- Instrumento público eletrônico são escrituras públicas eletrônicas lavradas pelos tabeliães pela plataforma do e-Notariado com base no Provimento nº 100/2020-CN/CNJ.
- Documentos públicos eletrônicos são aqueles produzidos e despapelizados por agentes público com sua assinatura eletrônica, a exemplo de certidões eletrônicas emitidas por órgãos públicos e dos próprios atos notariais eletrônicos.
- A assinatura eletrônica, seja a produzida no âmbito da ICP-Brasil, seja a fundamentada em pactos das partes, seja a fundamentada no e-Notariado, é equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à assinatura física presencial.
- Quando a legislação exige manifestação de vontade presencial, deve-se se entender que aí está abrangida também a manifestação de vontade por canal de comunicação remota e instantânea, tudo conforme o que Mário Luiz Delgado batiza de princípio da presença virtual.
- O certificado digital notarizado (aquele emitido no âmbito do e-Notariado) deve ser espraiado para valer como assinatura eletrônica para atos praticados fora dos Cartórios de Notas, como em instrumentos particulares (cfr. Provimento nº 103/2020-CN/CNJ, que trata das Autorizações Eletrônicas para Viagem) ou, até mesmo, em petições dirigidas a processos judiciais. É que, como esses certificados digitais notarizados são extremamente confiáveis por serem produzidos com a intermediação física dos tabeliães de notas (profissionais incumbidos constitucionalmente da fé pública e fiscalizados pelo Poder Judiciário). Além do mais, como os cartórios estão geograficamente espalhas pelo País, a permissão de o certificado digital notarizado ser utilizado para finalidades alheias à prática de atos notariais será uma facilitação para a vida dos indivíduos. Nesse caso, a assinatura eletrônica notarizada será equiparada a uma firma reconhecida, pois é lançada sob o abrigo dos tabeliães de notas.
- O legislador deve adaptar a legislação para afastar dúvidas interpretativas acerca do valor jurídico dos documentos eletrônicos, a exemplo da conveniência de deixar explícito que os documentos eletrônicos se encaixam entre os títulos executivos extrajudiciais indicados nos incisos II (escritura pública) e III (documento particular) do art. 784 do CPC[28].
- A propósito, reportamo-nos a este artigo que recomenda a digitalização de todos os serviços dos serviços notariais e de registro: OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias. Coronavírus e Cartório Eletrônico. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-legislativos/bol83/view. Acesso em 16 de abril de 2020. ↑
- O artigo do nobre jurista está no prelo. ↑
- A título de curiosidade, considerando que o uso de sinetes perduram por vários séculos, lembramos que os papas, até 1842 (quando se trocou o uso da cera derretida por um carimbo de tinta vermelha), usavam um anel-sinete chamado “Anel do Pescador”, que era um anel de ouro com um baixo-relevo com a imagem do apóstolo Pedro pescando de um barco e com o nome do papa em cima. Com a morte de um papa, o anel era destruído para evitar documentos falsos até que, com a nomeação de um novo papa, outro anel era feito a partir da fundição do ouro do anel do antigo papa. O Anel do Pescador era utilizada como para fechar os envelopes com cartas oficiais ou para selar documentos oficiais. É o que o historiador Antonio Gasparetto Junior leciona (Disponível em: https://www.infoescola.com/religiao/anel-do-pescador/). ↑
- Gênesis 41:42. ↑
- “Então, o rei Assuero disse à rainha Ester e ao judeu Modercai:- Eis que dei a Ester a casa de Hamã, que foi pendurado numa forca, porque tinha planejado matar os judeus. E, agora, em nome do rei, escrevam aos judeus o que bem lhes parecer e selem o documento com o anel-sinete do rei. Porque os decretos feitos em nome do rei e que foram selados com o seu anel-sinete não podem ser revogadosEntão, foram chamados imediatamente os secretários do rei (…). E, segundo tudo o que Mordecai ordenou, foi redigido um decreto para os judeus, para os sátrapas, para os governadores e para os oficiais das províncias que se estendem da Índia até a Etiópia (…). Escreveu-se em nome do rei Assuero, e se selou com o anel-sinete do rei. Os mensageiros, montados em ginetes que se usavam a serviço do rei, partiram, imediatamente, impelidos pela ordem do rei. E a lei foi publicada na cidadela de Susã.” (Ester 8:7-9) ↑
- CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica Legislativa. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, p. 125. ↑
- Para usar metáfora empregada pelo registrador e jurista paulista Flauzilino Araujo em outro contexto. ↑
- Dispojnível em: https://www.e-notariado.org.br. ↑
- A plataforma e-notariado vale-se do meio de videoconferência disponibilizado pelo Colégio Notarial (art. 36, Provimento nº 100/2020-CN/CNJ). ↑
- “Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.§ 1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 – Código Civil.§ 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.” ↑
- “Art. 3º. São requisitos da prática do ato notarial eletrônico:I – videoconferência notarial para captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico;II – concordância expressada pela partes com os termos do ato notarial eletrônico;III – assinatura digital pelas partes, exclusivamente através do e-Notariado;IV – assinatura do Tabelião de Notas com a utilização de certificado digital ICP-Brasil;IV – uso de formatos de documentos de longa duração com assinatura digital;” ↑
- “Art. 18. A identificação, o reconhecimento e a qualificação das partes, de forma remota, será feita pela apresentação da via original de identidade eletrônica e pelo conjunto de informações a que o tabelião teve acesso, podendo utilizar-se, em especial, do sistema de identificação do e-Notariado, de documentos digitalizados, cartões de assinatura abertos por outros notários, bases biométricas públicas ou próprias, bem como, a seu critério, de outros instrumentos de segurança.§ 1º O tabelião de notas poderá consultar o titular da serventia onde a firma da parte interessada esteja depositada, devendo o pedido ser atendido de pronto, por meio do envio de cópia digitalizada do cartão de assinatura e dos documentos via correio eletrônico.§ 2º O Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal poderá implantar funcionalidade eletrônica para o compartilhamento obrigatório de cartões de firmas entre todos os usuários do e-Notariado.§ 3º O armazenamento da captura da imagem facial no cadastro das partes dispensa a coleta da respectiva impressão digital quando exigida.” ↑
- Art. 2º. Para fins deste provimento, considera-se:I – assinatura eletrônica notarizada: qualquer forma de verificação de autoria, integridade e autenticidade de um documento eletrônico realizada por um notário, atribuindo fé pública;II – certificado digital notarizado: identidade digital de uma pessoa física ou jurídica, identificada presencialmente por um notário a quem se atribui fé pública;III – assinatura digital: resumo matemático computacionalmente calculado a partir do uso de chave privada e que pode ser verificado com o uso de chave pública, cujo certificado seja conforme a Medida Provisória n. 2.200-2/2001 ou qualquer outra tecnologia autorizada pela lei;IV – biometria: dado ou conjunto de informações biológicas de uma pessoa, que possibilita ao tabelião confirmar a identidade e a sua presença, em ato notarial ou autenticação em ato particular.V – videoconferência notarial: ato realizado pelo notário para verificação da livre manifestação da vontade das partes em relação ao ato notarial lavradoeletronicamente;VI – ato notarial eletrônico: conjunto de metadados, gravações de declarações de anuência das partes por videoconferência notarial e documento eletrônico, correspondentes a um ato notarial;(…) ↑
- Veja a lista neste link: https://www.iti.gov.br/icp-brasil/57-icp-brasil/4016-lista-de-autoridades-de-registro-ars-da-icp-brasil. ↑
- Imagens extraídas de https://dnafinanceiro.com/blog/certificado-digitaloqueepara-que-serve/ e de http://www.ebanataw.com.br/roberto/pericias/certificacaodigital.html. ↑
- No certificado tipo A1, o certificado digital fica no próprio computador do usuário e pode ser transportado para outros computadores. Por seu turno, o certificado tipo A3 são armanezados em dispositivos como token e cartões com chip. ↑
- É preciso identificar, em cada arquivo eletrônico, qual o comando que deve ser acionado para a inserção da assinatura eletrônica. Sobre o tema, transcrevemos esta oportuna explicação disponível no site “Perícias Edificações Watanabe” (Disponível em http://www.ebanataw.com.br/roberto/pericias/certificacaodigital.html):“Ao confecionar um documento, seja um relatório no Word, uma planilha no Excel, uma apresentação no Power Point, um email no Outlook, um desenho no Autocad, enfim, qualquer tipo de documento eletrônico, você pode “inserir a assinatura digital”.Cada tipo de software tem os procedimentos próprios para a inserção de assinaturas digitais.É necessário que, no ato da assinatura, a mídia, isto é, o cartão ou token esteja conectado ao computador. O software, seja Word, Excel, Outlook, Windows Mail, Autocad, etc. vai até o leitor de cartão ou porta USB à procura da mídia, pegando nele os códigos pessoais da certificação e vai inserir dentro do documento esses códigos.Feita a assinatura digital, o documento não pode mais ser modificado, alterado ou corrigido. Isto não significa que o documento foi “congelado” pois a qualquer tempo você pode remover a assinatura digital, fazer as alterações, correções e complementações e daí, inserir novamente a assinatura digital.” ↑
- Disponível em: https://estrutura.iti.gov.br. ↑
- A propósito, veja esta notícia disponível no site do SERPRO:Certificação digital em nuvem já é uma realidade. A partir de hoje, Serpro disponibiliza o NeoID, tecnologia que dispensa o uso de tokenA partir de hoje, 18, o Serpro está comercializando o seu certificado digital em nuvem, o NeoID. Na semana passada, a empresa pública recebeu a homologação do Instituto de Tecnologia da Informação (ITI), se tornando a primeira instituição do país habilitada para oferecer o serviço. Com o NeoID, o usuário ganha a opção de abandonar dispositivos físicos, como o token, e armazenar a assinatura eletrônica em seu próprio celular ou qualquer outro dispositivo móvel, o que abre uma série de possibilidades para transações digitais mais ágeis e seguras. O aplicativo já está disponível no Google Play e deve chegar na AppStore na semana que vem.Além da portabilidade, a nova tecnologia traz a possibilidade do usuário poder rastrear, pelo celular, o uso de suas chaves de criptografia, permitindo a criação de relatórios de uso, além de consultar quando e onde seu certificado digital foi utilizado. Para pessoas jurídicas, o NeoID custa R$249,90; para o cidadão, o valor é R$179,90. A certificação é válida por três anos. ↑
- O texto do referido art. 7º da MP nº 2.200-2/2020 estatuía o seguinte: “Art. 7o Às AR, entidades operacionalmente vinculadas a determinada AC, compete identificar e cadastrar usuários na presença destes, encaminhar solicitações de certificados às AC e manter registros de suas operações”. ↑
- Art. 4º, parágrafo único, e 5º da MP 2.200-2/2001. ↑
- Arts. 2º e 3º, MP 2.200-2/2001. ↑
- Art. 5º, MP 2.200-2/2001. ↑
- Art. 6º, MP 2.200-2/2001. ↑
- Art. 10, 2o: “O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.” ↑
- Site: https://www.clicksign.com/. ↑
- Disponível em: https://www.clicksign.com/preco. ↑
- A propósito, o STJ já decidiu que contratos eletrônicos podem ser inseridos no inciso III do art. 784 do CPC. Veja este julgado:RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES.1. Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas.2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em “numerus clausus”, deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior.3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual.4. Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico. 5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados.6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos.7. Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução.8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.(REsp 1495920/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 07/06/2018) ↑
Fonte: Direito Civil Brasileiro
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